A hipocalcemia é uma das doenças metabólico-nutricional que mais acomete bovinos leiteiros de alta produção no período de transição, também conhecida como “febre do leite” e “síndrome da vaca caída”. A incapacidade do organismo em manter a concentração de cálcio normal, caracteriza a hipocalcemia, ocorre cerca de 48 e 72 horas após o parto e sua predisposição está relacionada com vários fatores entre nutrição, genética e problemas de manejo.
O que causa febre do leite?
Durante a gestação a demanda por cálcio é baixa, entretanto nos dois meses finais de gestação são considerados desafiadores para a vaca leiteira. Nesse período se tem um maior desenvolvimento do bezerro o que acaba diminuindo o espaço disponível para o alimento, dessa forma a vaca acaba ingerindo menos quantidade de nutrientes considerado ideal para essa fase; inicia-se a produção de leite e colostro, dessa forma se tem uma alta demanda de cálcio no organismo, visto que grande parte do cálcio disponível no organismo é direcionado para composição do colostro e leite.
O cálcio é necessário para várias funções vitais como: fator essencial na coagulação do sangue, contração muscular e atua na transmissão de impulsos nervosos. É encontrado em níveis normais no sangue nas concentrações entre 8,8 a 10,4 mg/dL. Logo após o parto as concentrações de cálcio no organismo decaem para níveis baixíssimos, isso por que para a produção de colostro o organismo deposita 90% do cálcio disponível da corrente sanguínea, restando uma pequena quantidade para as demais funções.
Fisiologicamente a vaca repõe o cálcio através da reabsorção óssea, retirando o mineral que está na composição dos ossos, absorção pela passagem dos fluídos através dos rins e o mais importante pela absorção intestinal na degradação dos alimentos, porém todos esses processos ocorrem de forma lenta levando cerca de 48 horas para normalizar, e então é nesse momento que os sinais clínicos da hipocalcemia aparecem.
Sintomas da hipocalcemia
A hipocalcemia assim como outras doenças do pós-parto apresenta duas diferentes manifestações, a clínica e a subclínica. A forma clínica é aquela em que se observa visualmente os sintomas, já a subclínica o diagnóstico só é realizado através de exames laboratoriais. A hipocalcemia clínica, os sinais observados ocorrem de forma gradativa, mas com rápida evolução, o que se não tratado imediatamente o animal pode vir a óbito. São classificados os sinais clínicos em três estágios de evolução:
Primeiro Estágio: Sinais clínicos mais leves como tremores musculares, excitação, o animal não se alimenta, nesse estágio ainda consegue permanecer em pé e a temperatura corporal é normal. O cálcio plasmático está entre 8,5 a 5,5 mg/dl. Esse estágio pode durar horas.
Segundo Estágio: Nesse estágio a vaca já apresenta os sinais clínicos padrão da doença, os tremores musculares desaparecem, o animal fica em posição decúbito esternal (deitada com o peito no chão) com a cabeça voltada para o flanco, é incapaz de levantar-se, fraqueza, extremidades frias, dilatação pupilar, ausência de movimentos ruminais, a temperatura corporal se encontra normal entre 35ºC e 38ºC. O cálcio plasmático está entre 5,4 e 4 mg/dl.
Terceiro Estágio: O estágio mais avançado da doença e o risco de morte chega a 70%. O animal apresenta-se em decúbito lateral, alta flacidez muscular, timpanismo, perda de consciência, não responde aos estímulos e queda na temperatura corporal. O cálcio plasmático está menor que 4 mg/dl.
Hipocalcemia subclínica
A forma subclínica também ocorre o declínio dos níveis de cálcio e diferentemente dos casos clínicos, ocorre de forma silenciosa e predispõe o animal a outras doenças comuns do período de transição. Alguns dos sinais observados são: diminuição das contrações musculares (afetando principalmente o esfíncter do teto, gerando maior probabilidade de mastite) baixa motilidade ruminal e abomasal (aumentando a probabilidade de deslocamento de abomaso), queda na produção leiteira no início da lactação, retenção de placenta, prolapso uterino e endometrite. Estudos comprovam que cerca de 50% das vacas recém-paridas possuem hipocalcemia subclínica, isso não é percebido devido ao não aparecimento dos sinais padrão da doença e a dificuldade de diagnosticar o animal.
De forma geral, a hipocalcemia gera grande impacto econômico em uma propriedade leiteira, pois gera prejuízos diretos e indiretos devido ser uma doença multifatorial e que está relacionada com o aparecimento de outras, afetando a reprodução desses animais apresentando atraso no retorno ao cio, atraso na concepção consequentemente aumentando o intervalo entre partos.
Fatores que contribuem para o surgimento da hipocalcemia.
Como citado anteriormente a hipocalcemia é uma doença metabólico-nutricional, porém, outros fatores já comprovados influenciam na predisposição a ocorrência da enfermidade.
- Idade da vaca: Vacas mais velhas, com quatro ou mais lactações possuem uma predisposição a terem hipocalcemia logo após o parto comparado com primíparas. Isso ocorre pois com o avanço da idade, ocorre uma diminuição da capacidade de reabsorção óssea (retirada do cálcio através dos ossos) e absorção intestinal do cálcio, desta forma baixando as concentrações de cálcio no sangue.
- Raça: Além do envelhecimento, a hipocalcemia possui uma maior predisposição em vacas da raça jersey. Isso se deve pelo fato de a raça produzir o colostro e leite com uma concentração de cálcio maior do que as outras raças. Já a raça holandesa a hipocalcemia é mais frequente em vacas de alta produção leiteira.
Prevenção da hipocalcemia
Planejamento nutricional: Em uma propriedade leiteira é fundamental possuir um planejamento nutricional para cada fase e categoria tendo assim maior eficiência e produtividade. Dessa forma, durante o período seco, pré-parto e de transição é necessário ter um cuidado maior com o manejo e nutrição desses animais.
- Dieta aniônica: O uso de dietas aniônicas é uma das alternativas utilizadas para evitar a ocorrência da hipocalcemia. Dietas compostas por maiores quantidades de ânions fornecida cerca de duas semanas anterior ao parto gera uma acidose metabólica que estimula a desmineralização óssea, absorção de cálcio intestinal aumentando a mobilização de cálcio no sangue e com isso diminuindo a probabilidade de hipocalcemia. Essa leve acidose metabólica que ocorre altera os níveis do pH sanguíneo, logo, altera o pH urinário também com isso durante o período pré-parto o produtor consegue monitorar através do pH urinário se a dieta aniônica está sendo eficiente, onde os níveis normais do pH nesse período se encontra entre 6,2 e 6,8 níveis abaixo disso pode ocorrer uma acidose metabólica mais grave e níveis acima indica falhas na formulação da dieta.
- Escore de condição corporal (ECC): Também é importante se avaliar o escore de condição corporal dos animais (ECC) nesse período para que não se venham a parir obesas (ECC próximo 5,0) ou muito magras (ECC inferior a 3,0), o ideal é parir com ECC 3,0 a 3,25. Avaliar o escore corporal nesse período é fundamental para monitorar como está a nutrição desses animais e realizar os ajustes necessários para que a dieta seja equilibrada e atenda as exigências do período.
- Utilização de drench: Outra alternativa utilizada em muitas fazendas leiteiras é o fornecimento de drench, suplemento mineral e energético que tem como função reestabelecer o equilíbrio eletrolítico e proporcionar uma fonte de energia ao animal. É fornecido para as vacas logo após o parto com o objetivo de hidratar o animal e estimular o consumo de alimentos.
De forma geral, o período pré-parto necessita de um manejo diferenciado dentro da propriedade. Possuir um local somente para vacas nesse período, que seja tranquilo, confortável e que atenda todas as necessidades do animal fornecendo água a vontade, alimentação balanceada, sombra, dessa forma evitando o estresse o qual nessa fase é muito importante.
Tratamento da hipocalcemia
Quando a vaca começa a apresentar sinais clínicos de hipocalcemia o tratamento deve ocorrer o mais rápido possível. Todas as informações devem ser fornecidas para que o diagnóstico seja realizado o quanto antes, pois o prolongamento dos primeiros sintomas até a ocorrência do tratamento aumenta as chances do animal vir a óbito.
O tratamento utilizado em casos de hipocalcemia é a infusão de boro gluconato de cálcio por via endovenosa na dose de 1g para cada 45kg de peso vivo. A administração deve ser realizada de forma lenta em um período 20 minutos devido o cálcio ser cardiotóxico, se aplicado de forma rápida o animal pode vir a ter uma arritmia cardíaca e consequentemente uma parada cardíaca. Dessa forma, em todo o período de aplicação deve-se controlar a frequência cardíaca através da auscultação. Outro fator é que quando utilizado uma dose muito grande de boro glucanato de cálcio os níveis se elevam rapidamente, porém caem na mesma proporção causando efeito rebote.
O ideal é o tratamento iniciar ainda quando a doença se encontra no primeiro estágio assim o prognóstico se torna favorável. Em caso de a vaca estar no terceiro estágio da doença, o animal deve ser posicionado para decúbito esternal para iniciar o tratamento.
Cerca de 85% dos animais respondem ao tratamento logo após a aplicação, porém caso o animal não se alevante em até 6 horas após o início do tratamento deve-se reavaliar novamente o animal.
O ponto a se destacar é que devem ser tomadas ações preventivas dentro da fazenda para diminuir a incidência tanto da forma clínica como da forma subclínica. Isso deve ser feito rastreando as possíveis causas, criando protocolos e estratégias efetivas para evitar que a febre do leite apareça já que ela é a porta de entrada para uma série de outros problemas nos animais.
O período que se estende do período seco, pré-parto e transição ocorre grandes transformações fisiológicas e metabólicas nas vacas leiteiras, por isso dentro de uma propriedade leiteira deve se ter prioridade com as vacas nessa fase e que possuem predisposição para a doença, pois todos os problemas que se apresentarem nesse período influenciará na reprodução e lactação futura. Portanto, medidas devem ser adotadas para que a incidência da hipocalcemia seja reduzida e consequentemente as doenças causadas em decorrência da mesma.
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Amanda Uliana Manfio
Estagiária Customer Sucess e Suporte
Estudante de zootecnia